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terça-feira, 18 de julho de 2017

A Justiça e a política: Juristas questionam sentença de Moro contra Lula




A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz federal Sérgio Moro, gerou grande repercussão no campo jurídico. Juristas consultados pelo Jornal do Brasil apontam que há questões problemáticas no processo, como a escolha de argumentos políticos no lugar de argumentos técnicos.

O ex-presidente, no dia seguinte do anúncio da condenação, salientou que "a Justiça não pode mentir, não pode tomar decisão política, tem que tomar decisão baseada nos autos". "A única prova que existe nesse processo é a prova da minha inocência", frisou na ocasião.

O professor da FGV Direito Rio Thiago Bottino destaca que o juiz "não poderia fazer considerações que não fossem estritamente jurídicas". Salah H. Khaled Jr., professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), ressalta que a sentença "soa como mera conjectura", e que "uma condenação não admite ilações". O professor de Direito Penal e Processual Penal, Fernando Hideo Lacerda, acrescenta que "não há prova para condenação pelo crime de corrupção e não há sequer embasamento jurídico para condenação pelo crime de lavagem de dinheiro".


Desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sediado em Porto Alegre, serão os responsáveis por decidir o futuro do ex-presidente Lula. Eles são responsáveis pelas revisão das sentenças do juiz de primeira instância Sergio Moro.

"A questão é o TRF4 agora votar [o processo] o mais rápido possível, porque a população tem direito de saber quais os candidatos viáveis para a eleição com antecedência, para fazer escolhas num ambiente mais racional", comenta Batini.

Em entrevista coletiva, contudo, o presidente do TRF4, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, informou que o caso deve ser julgado até agosto de 2018, pouco antes das eleições.

Processo jurídico com argumentos políticos?

Uma sentença, explica o professor da FGV Thiago Bottino, mostra os elementos que convenceram o autor da decisão, não necessariamente mostra todo o conteúdo dos autos. Pode haver documentos, então, que não foram incluídos na decisão de Sérgio Moro. "Seria impossível", inclusive, que a condenação apresentasse todo o material. Se está certa ou errada, aponta o professor, não é possível afirmar. Ele analisa, contudo, pontos em que acredita que a sentença "não está técnica".

A primeira questão que Bottino destaca é relacionada aos artigos 959, 958 e 960 da sentença de Moro contra Lula. São eles:

958. Como defesa na presente ação penal, tem ele, orientado por seus advogados, adotado táticas bastante questionáveis, como de intimidação do ora julgador, com a propositura de queixa-crime improcedente, e de intimidação de outros agentes da lei, Procurador da República e Delegado, com a propositura de ações de indenização por crimes contra a honra. Até mesmo promoveu ação de indenização contra testemunha e que foi julgada improcedente, além de ação de indenização contra jornalistas que revelaram fatos relevantes sobre o presente caso, também julgada improcedente (tópico II.1 a II.4). Tem ainda proferido declarações públicas no mínimo inadequadas sobre o processo, por exemplo sugerindo que se assumir o poder irá prender os Procuradores da República ou Delegados da Polícia Federal (05 de maio de 2017, "se eles não me prenderem logo quem sabe um dia eu mando prendê-los pelas mentiras que eles contam, conforme http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/se-eles-nao-me-prenderemlogo-quem-sabe-eu-mando-prende-los-diz-lula/). Essas condutas são inapropriadas e revelam tentativa de intimidação da Justiça, dos agentes da lei e até da imprensa para que não cumpram o seu dever.

959. Aliando esse comportamento com os episódios de orientação a terceiros para destruição de provas, até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

960. Entrentanto [sic], considerando que a prisão cautelar de um exPresidente [sic] da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação. Assim, poderá o ex-Presidente Luiz apresentar a sua apelação em liberdade.

Para Bottino, há contradição em indicar a existência de elementos para cogitar a decretação de prisão preventiva por conta de um comportamento do ex-presidente e depoimentos de colaboradores de que teria tentado destruir provas, e ao mesmo tempo dizer não vai fazê-lo porque isto envolveria "traumas". "Eu acho isso contraditório, se ele vê elementos que justificam a prisão, não é uma decisão técnica dizer que não vai prender por causa de um suposto eventual trauma. Não é um argumento técnico, é um argumento político. E, neste ponto, ele beneficiou Lula."

Por outro lado, o que Moro coloca como elemento para uma prisão também é "inapropriado", na visão de Bottino. "Os elementos que levaram ele a entender cabível a prisão são, em primeiro lugar, um depoimento na imprensa. Mas ele [Lula] tem liberdade de expressão, ele pode falar o que ele quiser. Isto não é razão que justifique a prisão de ninguém, o que justifica é quando de fato a pessoa faz alguma coisa, e não 'palavras ao vento'. Ele diz que isso é uma forma de intimidar a Justiça. Não é."

Outra questão, explica o professor da FGV, é que Moro indica que o ex-presidente propôs ação civil contra testemunha e ações. "Isso não é intimidar testemunha. Ele tem direito de propor ação contra quem ele quiser, se ele quiser. Propor uma ação não pode ser caracterizado como intimidação. Se os delatores dizem que ele queria, palavra do delator não é prova. Moro declara que tem motivo pra prender e não prende, e o que ele argumenta que seria o motivo está fora da previsão da lei. Faltou técnica."

Outra questão complicada da sentença, para Bottino, é a fundamentação da pena, a chamada "dosimetria". Moro escreve no parágrafo 948 sobre a pena para crime de corrupção ativa e para lavagem de dinheiro (confira nas páginas 233 a 235 da sentença), e diz que vai aumentar a pena falando em uma "culpabilidade elevada", e que as circunstâncias do crime envolveram R$ 16 milhões. Contudo, explica o professor, isto não se configuraria como circunstância e, sim, como consequência. "Ele confundiu circunstância com consequência."

"Na minha opinião, a consequência são os R$ 16 milhões. Ele atesta que este valor foi para o PT, mas o Lula foi condenado por receber R$ 2 milhões", completa Bottino, ressaltando que, pelo fato de ter sido presidente, Moro apontou para a questão da culpabilidade. Diz a sentença: A responsabilidade de um Presidente da República é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes. De acordo com o professor, trata-se de uma questão "muito subjetiva". O fato de ele ter sido presidente, por exemplo, poderia ter sido utilizada para tomar uma decisão em outra direção.

A sentença de Moro, então, teria uma confusão de categorias, de culpabilidade, consequência e circunstância. "Ele fala que essa culpabilidade também poderia ser considerada uma personalidade negativa. Eu não acho que o juiz deva fazer considerações sobre a personalidade do réu. Não acho que isto seja fundamento apto para aumentar ou reduzir a pena. Deixar de prender alguém para evitar trauma é um argumento político e não jurídico, aumentar a pena com base no que foi dito é também um critério político. O juiz não poderia fazer considerações que não fossem estritamente jurídicas."

Questionado sobre o argumento da defesa do ex-presidente, de que os processos contra ele inserem-se no contexto do lawfare, Bottino declarou: "Há algumas posturas de Sérgio Moro como juiz que eu considero que deveriam ser evitadas". "Ele ter sido protagonista na condução dos interrogatórios... O juiz só pode perguntar supletivamente, o que a gente vê nos depoimentos é que quem mais pergunta é o próprio, não é isto que o código orienta."

O art 212 do do Código de Processo Penal orienta: As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

"O artigo determina que quem faz perguntas é o MP e a defesa, e que o juiz só deveria perguntar a situação para complementar. Mas o que a gente vê na prática é ele sendo protagonista, a pessoa que mais pergunta. O que não é o caso. O juiz só vai perguntar sobre pontos não esclarecidos. Complementar é uma coisa muito pontual, o juiz não é parte, tem uma relação mais distante, não deveria ser ele o produtor de prova."

"Se a dúvida permanece, a presunção de inocência do acusado deve prevalecer"

O professor Salah acrescenta que a "sentença não trouxe novidades". "Era previsível que Moro condenaria Lula, mas tudo ainda soa como mera conjectura. Uma condenação não admite ilações. O lastro probatório da narrativa condenatória não deve deixar margem para dúvida. Se a dúvida permanece, a presunção de inocência do acusado deve prevalecer. Penso que não há elementos suficientes para a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo em questão."

Sobre a consideração da palavra de delatores, Salah questiona: "Por que confiar na palavra de um delator? Ele é obrigado a dizer o que os negociadores querem ouvir. Se nada tem a dizer, obviamente não tem com o que negociar e, logo, é preciso inventar."

A ligação de Lula ao triplex, para o professor, é  um precedente "temerário". "Como alguém pode provar que não é proprietário de algo, quando o acusador insiste que sim? A transmissão da propriedade somente se dá com o registro. Sem registro, não há propriedade. Vamos supor que você tenha negociado a compra de um imóvel e que ela não tenha se consolidado. O imóvel permanece propriedade do proprietário original, por óbvio. Mas vamos supor que o acusador insista que o proprietário original é um laranja? Não houve sequer aquisição por um terceiro que cumpriria a função de laranja. Qualquer servidor público em situação equivalente pode ser criminalizado com base nisso, como percebeu meu amigo advogado Márcio Augusto Paixão."

Sobre o argumento da defesa de Lula, relacionado ao chamado lawfare, o professor explica que a expressão indica o uso indevido de recursos jurídicos para perseguição de caráter político. "Não me parece que a utilização do conceito [pela defesa de Lula] seja descabida. Pelo contrário. Em várias oportunidades foi cristalina a intenção de influenciar o campo político. Quando Moro deliberadamente divulgou a conversa entre Lula e Dilma, cometeu crime. Ele deveria ter remetido imediatamente ao Supremo [Tribunal Federal] a gravação que incluía diálogo de autoridade com foro privilegiado. Pouco importa que tenha pedido desculpas depois. Agiu para desestabilizar a República e poderia ter provocado derramamento de sangue."

"Ao cidadão comum não é dada a oportunidade de pedir desculpas quando comete crimes para se livrar da responsabilidade sobre eles. Mas as liberalidades de Moro continuam sendo toleradas. Moro se comporta como um juiz inquisidor. Age como se fosse acusador. Parte em busca do que precisa para condenar. A democracia não pode conviver com juízes assim. Não se espera que Lula tenha tratamento diferenciado, para pior ou melhor. Espera-se que as regras do devido processo legal valham para ele, como para todos os demais brasileiros. Não um processo penal do inimigo, com um juiz que se comportou como se fosse antagonista da defesa. Sem dúvida, isso se encaixa na definição de lawfare", conclui Salah.

Sobre as condenações

Fernando Hideo Lacerda reforça que "não há materialidade para condenação pelo crime de corrupção" e que "não há sequer embasamento jurídico para condenação pelo crime de lavagem de dinheiro". "O fato que embasa a condenação do ex-presidente Lula foi definido pelo juiz como a 'propriedade de fato' de um apartamento no Guarujá. Diante disso, ele foi condenado por corrupção (porque teria recebido esse apartamento reformado como vantagem indevida do Grupo OAS em razão de contratos com a Petrobras) e lavagem de dinheiro (porque teria ocultado e dissimulado a titularidade desse imóvel)", comenta o professor.

Não existe o conceito 'proprietário de fato' em nosso ordenamento jurídico
"Diante disso, acho importante ressaltarmos três pontos", continua: "Em primeiro lugar, não existe o conceito 'proprietário de fato' em nosso ordenamento jurídico. O Código Civil define que proprietário é quem tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Já essa figura que o juiz define como 'proprietário de fato' se aproxima do que a lei chama de possuidor, sendo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. De qualquer forma, seria necessário comprovar que o ex-presidente Lula tinha (de fato ou de direito) algum dos poderes de proprietário, ou seja: usar, gozar, dispor ou reivindicar a coisa. E não há qualquer prova, seja documental ou testemunhal, que indique a existência de tais poderes em relação ao imóvel do Guarujá."

Ele prossegue: "Em segundo lugar, ainda que o ex-presidente Lula fosse proprietário do apartamento, o crime de corrupção não exige apenas a existência de uma vantagem indevida, mas é necessário comprovar qual a contrapartida dada ou prometida pelo funcionário público. Em outras palavras, ainda que um grupo empresarial tivesse vendido um imóvel a agente público abaixo do preço de mercado isso não basta para configurar corrupção, mas é necessário que se demonstre qual a contrapartida do servidor público."

Lacerda destaca que, no caso concreto, o ex-presidente foi condenado pelo recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobras. "Logo, era de rigor que se comprovasse não apenas a propriedade do imóvel, o que o juiz chamou de 'propriedade de fato' do apartamento, mas também a existência de provas de que a contrapartida a essa vantagem indevida consistiu em ilegalidades relacionadas à Petrobras."

"Nesse sentido, o juiz considerou como prova da propriedade do imóvel: documentos sobre tratativas acerca da aquisição pela Dona Marisa Letícia de cotas do edifício enquanto ainda estava vinculado à Bancoop, sendo que não há um documento sequer que demonstre que o apartamento pertenceu ao ex-presidente e sua família; e como prova de que a contrapartida consistiu em ilegalidades relacionadas à Petrobras: apenas e tão-somente a palavra dos delatores informais Léo Pinheiro e Agenor Medeiros (ex-diretor do Grupo OAS), sendo que tais depoimentos jamais poderiam ser considerados como prova porque declarações obtidas mediante delação são apenas “meios de obtenção de prova” (devem indicar o caminho para se chegar a provas) e não efetivamente “meios de prova”. Portanto, não há materialidade para condenação pelo crime de corrupção", continua o professor.

"Em terceiro lugar, ainda pior é a condenação em relação ao crime de lavagem de dinheiro. A hipótese condenatória é de que houve lavagem envolvendo a ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento e do beneficiário das reformas realizadas. Ou seja, o ex-presidente Lula teria recebido uma vantagem do Grupo OAS na forma de um apartamento reformado e, como não estava no nome dele, então isso seria lavagem pela "dissimulação e ocultação" de patrimônio. Isso é um grave erro jurídico. Em síntese, lavagem significa dar aparência de licitude a um capital ilícito com objetivo de reintroduzir esse dinheiro sujo no mercado. É o que popularmente se conhece como "esquentar o dinheiro". Exemplo clássico: o sujeito monta um posto de gasolina ou pizzaria e nem se preocupa com lucro, pois se capitaliza com dinheiro sujo como se fosse lucro do negócio. Para uma operação imobiliária ser caracterizada como lavagem de dinheiro, deve haver essa intenção de reintroduzir um capital ilícito fraudulentamente com aparência de licitude. Isso evidentemente não houve, sequer no cenário imaginado pela acusação!"

Para Lacerda, não faz o menor sentido falar em lavagem nesses casos de suposta "ocultação" de um capital ilícito. "Do contrário, o exaurimento de qualquer crime que envolva dinheiro seria lavagem. Não só corrupção, mas sonegação, roubo a banco, receptação, furto... Nenhum crime patrimonial escaparia da lavagem segundo esse raciocínio, porque obviamente ninguém bota esses recursos no banco!"

"Portanto, não há prova para condenação pelo crime de corrupção e não há sequer embasamento jurídico para condenação pelo crime de lavagem de dinheiro", conclui.Leia também: Temer deu dois milhões dos cofres públicos  para deputados aliados livra-lo do STF

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